Feliz Ano Novo.
No Japão, a virada do ano e o período do Ano Novo sempre tiveram um significado especial. À medida que o fim do ano se aproxima, as pessoas limpam suas casas por dentro e por fora, e ao som dos sinos da noite de Ano Novo, deixam para trás as impurezas acumuladas durante o ano, preparando-se para receber um novo ciclo. No Ano Novo, as famílias se reúnem, expressam gratidão aos deuses e aos budas, e iniciam o caminho de mais um ano com o coração renovado.
Para quem não está familiarizado com a cultura japonesa, essa ideia de “agradecer aos deuses e aos budas” pode parecer curiosa. Para muitos japoneses, fé não significa escolher uma única religião e rejeitar todas as outras. Na mitologia japonesa existem inúmeros deuses, e no budismo há muitos budas e bodisatvas. Os japoneses reverenciam naturalmente todos eles e visitam tanto santuários xintoístas quanto templos budistas conforme a ocasião. Além disso, também nutrem respeito pelas coisas sagradas de outras religiões — seja uma igreja cristã ou uma mesquita islâmica — reconhecendo nelas algo digno de reverência. Essa visão religiosa múltipla e flexível moldou profundamente a atmosfera da virada do ano no Japão.
Antes da forte influência da cultura norte‑americana após a Segunda Guerra Mundial, era comum no Japão a prática do “数え年 KAZOEDOSHI”, em que todos envelheciam um ano não no aniversário, mas na virada do ano. Por isso, a passagem de ano era percebida como um grande marco na vida, quase como um renascimento coletivo. Para explicar de forma simples ao público brasileiro: para os japoneses, a virada do ano não é apenas uma mudança no calendário, mas um momento de “deixar silenciosamente o velho eu e dar o primeiro passo como um novo eu”, como uma respiração profunda que se renova.
Na noite de Ano Novo, as emissoras de televisão transmitem ao vivo o toque dos sinos de templos famosos em todo o país. O sino de um templo nas montanhas cobertas de neve, o sino de um antigo templo à beira-mar, o sino de um grande templo no centro urbano — cada som ecoa lentamente pelo céu noturno, penetrando suavemente no coração das pessoas. Mesmo quem não sai de casa para visitar um templo sente, através da televisão, uma onda silenciosa de emoção interior. “O ano está terminando.” “Um novo ano está começando.” Esses sentimentos surgem naturalmente, e o coração se aquieta. Essa mudança interior está muito próxima do espírito do Zen.
No Zen, não apenas momentos especiais são valiosos. “Aqui, agora, neste exato instante” é sempre o campo de prática e o lugar onde o Dharma se manifesta. Ao receber o Ano Novo, endireitamos naturalmente a postura, clareamos a mente e olhamos para dentro de nós.
A serenidade sentida na virada do ano pode ser cultivada em qualquer dia do ano. O instante em que a luz da manhã entra pela janela, o momento antes do pôr do sol, o impacto silencioso diante da força da natureza, a delicadeza do coração humano, ou simplesmente o ato de inspirar profundamente e expirar devagar — cada um desses momentos é um “pequeno Ano Novo” que nos conduz a um novo eu.
O mestre Dōgen ensinou que o tempo não passa e desaparece; todo o tempo está contido no “eu” que existe agora. O eu que recorda o passado e o eu que imagina o futuro são ambos expressões do eu presente. Se conseguirmos viver cada dia do novo ano com o mesmo frescor de espírito que sentimos na virada do ano, então, quando ouvirmos novamente os sinos da noite de Ano Novo, sentiremos profundamente que vivemos um ano pleno. Isso é a prática viva do ensinamento do Zen Sōtō: “viver o agora, aqui, neste instante”.
Que o novo ano, Reiwa 8/2026, seja para todos vocês um tempo em que cada dia seja um novo começo e cada instante revele o Dharma tal como ele é. Como bons amigos no caminho, continuemos caminhando juntos neste ano que se inicia.