Oryoki: relação entre o monge e a tigela de alimento

Na Índia antiga, os monges budistas carregavam uma tigela (pātra, em sânscrito) para esmolar a única refeição diária permitida. A refeição precisava ser feita até o meio-dia e a quantidade, apenas o suficiente para nutrir o corpo e evitar a gula.

Com o tempo, a forma de alimentação dos monges foi se modificando. Os mosteiros começaram a contar com estoques de alimentos que garantiam as refeições dos praticantes, sem que precisassem esmolar para sobreviver.

No entanto, a relação entre o monge e a tigela de alimento nunca se perdeu.

Na tradição zen, a partir do Sexto Ancestral do Darma na China, Daikan Eno (638-713), a transmissão dos ensinamentos entre mestre-discípulo começou a ser simbolizada com a transferência do manto e tigela do professor a seu sucessor.

Em nossa ordem zen japonesa, a Soto Zen, após a ordenação, os monges recebem o ōryōki, um conjunto de tigelas e utensílios para as refeições. Este mesmo conjunto também é usado por praticantes leigos e leigas durante sesshins (retiros zen) e/ou outras ocasiões especiais.

ō (応) é a resposta de quem recebe a oferta de alimento.

ryō (應 量) é a quantidade apropriada de alimento para nutrir o corpo.

ki (器) é o recipiente usado durante as refeições.

Mas o uso do ōryōki pelos praticantes ultrapassa a mera funcionalidade. A refeição e o manusear das tigelas (e utensílios) são considerados práticas meditativas.

O manuseio do ōryōki segue uma ordem estrita e envolve uma miríade de gestos e movimentos precisos. Tudo deve ser realizado em plena presença e consciência. Durante a refeição, orações e preces de agradecimento são entoadas pelos praticantes.

Temos, portanto, uma prática meditativa em movimento.

Ao aprender as sequências de movimentos, gestos e posturas durante as refeições, os praticantes têm a oportunidade de praticar em presença absoluta, de forma que cada objeto se torna uma extensão de seus membros, corpos e mentes.

O ōryōki é formado basicamente por um conjunto de três tigelas, feitos de madeira laqueada ou plástico. A tigela de Buda é a maior delas, e simboliza a cabeça e a sabedoria de Buda.

Há também um guardanapo e um pano para limpeza. Para guardar o ōryōki, as tigelas são intercaladas umas dentro das outras, da maior para a menor. Tigelas e utensílios são cuidadosamente limpos e envoltos num pano grande, fechado por um nó semelhante a uma flor de lótus.

Há regras também para distribuir e usar cada uma das tigelas e utensílios (colher, rachi e setsu). O setsu é uma espátula (com um retalho de tecido na ponta) utilizada durante a limpeza do ōryōki.

Além do treino de presença plena, a prática com o ōryōki incentiva o cultivo da gratidão (ao contemplar a cadeia de interdependência que faz com que o alimento chegue a nós) e o autoconhecimento.

(Texto de Maria Paula Myobun)

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